segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Apoteose Redentora da Criatividade e Alma Humana por Andrea Nakane




Uma noite festiva, repleta de simplicidade e reflexões vitais para a vida humana, envolta na alegria e gingado do povo brasileiro, enaltecendo a prática esportiva como elo propagador de uma cultura de paz.
Em poucas palavras, assim podemos resumir o que foi a solenidade de abertura da XXXI edição dos jogos olímpicos, no emblemático Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro, que demonstrou para uma audiência global, estimada de mais de três bilhões de pessoas, que apesar de todos os pesares, oriundos de uma situação política e econômica caótica, a potencialidade de saber encantar e celebrar a vida e suas vicissitudes é algo genético e por que não dizer, divino, que também compõem o DNA brasileiro.
A suntuosidade de fantasias e cenários requintados cedeu lugar ao otimizado uso tecnológico, com destaque para a projeção mapeada, desenhando mosaicos deslumbrantes, em doses equilibradas de apoio a descontração, musicalidade e ritmo contagiante, tão tupiniquins, que ganharam cores, muito além do verde e amarelo, declarando, assim toda a sinergia com a diversidade, tão presente na constituição da sociedade brasileira e um dos pilares temáticos de toda a cerimônia.
O simbolismo da gambiarra, explicado pelo comitê diretivo artístico do projeto, associou-se perfeitamente a tônica da sustentabilidade, em um realinhamento, que a maioria dos eventos da atualidade está vivendo, no qual a humanização ressurge em sua plenitude, avançando pela aridez do egocentrismo, buscando maior participação e conscientização de que todos nós somos responsáveis pela continuidade da própria humanidade.
A introdução de uma vertente social reflexiva em um momento de pura magia e ludicidade confirmou que uma cultura do entretenimento que seja calcada nesses atributos tende a provocar, também, comportamentos sociais cunhados em uma maior postura positiva e abertura mental para possíveis rupturas de paradigmas e convenções impostas ou ultrapassadas. E se conseguirmos isso... já somos vitoriosos, sem ao menos termos disputado nenhuma competição de medalhas.
Alguns podem até chamar esse momento de alerta social como um clichê vazio, já que tentamos “puxar a orelha” do mundo... mas nós mesmos, não fizemos a lição de casa e temos a Baía de Guanabara como prova irrefutável de nossa incompetência nesse comprometimento. Mas a mensagem era para todos, inclusive para nós mesmos!
Os recursos escassos, nitidamente percebidos, no roteiro da cerimônia, acabaram sendo elementos colaborativos para reforçar essa mensagem vinculada à união dos povos,para juntos enfrentar os desafios contemporâneos que atingem a todos, sem exceção e que demandam realinhamentos, proporcionando uma nova ordem evolutiva.
A inclusão do cenário natural da cidade, como parte do espetáculo, sendo sobrevoado por uma réplica computadorizada do 14 Bis, foi algo formidável, que certamente será muito difícil de ser esquecido, pois a riqueza imagética das belezas do Rio de Janeiro tira realmente o fôlego e impressiona pela sua magnitude fenomenal.
A proatividade e beleza da iniciativa das sementes plantadas em tubetes por todos os atletas, que formarão uma floresta futura, além da presença, sempre cativante e tocante, das crianças, junto à entrada das delegações, como representantes da esperança no amanhã, foram também pontos altos do espetáculo.
O público presente no Maracanã também pode ser considerado uma atração à parte da cerimônia, já que interagiram com muito entusiasmo e chegaram a fazer um show a parte cantando à capela à música de Jorge Ben Jor, que colocou todos para dançar, transformando o templo sagrado do futebol, em uma grande balada internacional, colorida e democrática, cada um em sua cadência, no compasso do ritmo brasileiro.
É lógico que não existiu perfeição, quem é da área de eventos sabe que isso não é real, porém há evidências de pontos que teriam dito uma necessidade maior de pesquisa e discussões, entre os quais: uma maior representatividade de imigrantes que ajudaram a construir a nação – restringiram-se aos colonizadores, africanos, árabes e orientais - mudanças bruscas na evolução do roteiro - poderiam ter sido mais suaves e fluídas - a formatação de uma linha de receptivo aos atletas mais impactante e animada - pois a que tivemos deixou muito a desejar em termos de figurinos e empolgação – a bicicleta e sua referência de vida saudável como meio indicador das delegações foi algo bacana, mas os adereços exagerados e toscos montados sobre as mesmas, surtiu um efeito de impacto visual duvidoso e no momento da apresentação da riqueza das festas populares, os quadrantes destinados aos bate-bolas e maracatu foram irrisórios frente à grandeza e pluralidade existente no Brasil, faltaram a brasilidade das festas juninas, do frevo, do sertanejo, do fandango, do forró, do carimbo... são tantas que não foram lembradas.
A inovação da duplicidade da pira olímpica assinou embaixo do requisito de inclusão, já que pela primeira vez na história dos jogos, há duas estruturas que receberam a chama olímpica, sendo uma aberta em espaço público, democratizando sua contemplação e espalhando o espírito de celebração para todos, sem distinção.
Ter o hino nacional interpretado com a elegância distinta de Paulinho da Viola, prócer do samba, logo no início da abertura, foi a sinalização de que teríamos momentos de incomparável leveza artística, culturalmente lapidados pela trajetória de uma nação, que de tão jovem, ainda tem passos pouco firmes, cambaleantes, mas que apresenta um vigor, uma resiliência, uma inebriante alegria, que contagia e inspira. E que independente de todas as dificuldades não se intimida, parte para cima, sem medo de ser feliz e de fazer feliz quem carrega no peito, a chama do orgulho de ser brasileiro, que transforma tão pouco em muito, pois tem como orientação natural simplesmente celebrar a dádiva de viver.
Nossos corações pulsaram mais freneticamente nessa noite, lágrimas transpareceram a emoção despertada e o mundo, pelo menos em 03 horas, percebeu que nossa maior riqueza é o próprio povo brasileiro, que o Cristo Redentor não é o único de braços abertos e que para fazer uma apoteose é preciso ser somente... humano, em sua essência cativante, repleta de magnanimidade e dignidade.
E vamos em frente, pois o evento acabou de começar e a RIO 2016 já está escrevendo o seu capítulo na história dos Jogos Olímpicos da modernidade.